quarta-feira, 7 de março de 2012

O preço de um verdadeiro amor

      A atmosfera era densa e agoniante, todos podiam ouvir seus gemidos e soluços, incompreendidos por todos. Mas sua dor atingia aos presentes. Uma recém viúva, que chorava inconsolada em cima do corpo de seu marido durante o seu velório. Todos na sala, por outro lado, sentiam-se aliviados e felizes pela morte de seu marido e ela sabia disso, queria que todos fossem embora para que ela pudesse ter somente seu amor ao redor de "seu corpo morto", mas ela era educada de mais para isso.

      Todos pensavam "nela": nunca mais teremos noites terríveis ouvindo seus gritos sendo violentamente acertada por seu marido constantemente, não teremos que ouvir os gritos do marido bêbado a reclamar da vida e de todas as coisas que lhe irritavam o dia, não teriam mais que temer a morte daquela recém viúva.
      Ninguém compreendia o por que de todo aquele sofrimento por parte da viúva que ainda tinha marcas roxas e ataduras em seu corpo que comprovavam todo seu sofrimento. Será que chorava de alegria? Mas por que zelava tanto pelo corpo do marido? Será que preocupava-se com seu sustento? Mas ela não teria problemas com isso. Todos os presentes se perguntavam o por que de seu tormento parecer nunca ter fim.
      Quando finalmente a recém viúva acalmou-se um pouco mais, uma amiga aproximando-se a consola-la. Não resistindo a sua própria, indevida, curiosidade, indagou-a: Por que esta sofrendo tanto? Dói em algum lugar? -Perguntou ela quase tocando-lhe uma atadura. - De onde vem tanta dor?
      A recém viúva olhou com seus olhos vermelhos e marcados por grandes olheiras, quase voltou a derramar-se em lágrimas, mas respondeu a sua amiga: Não, não me importo com meus machucados. Eu sofro por que perdi eternamente o meu marido. O grande amor de minha vida. Sei que todos devem estar pensando que sou louca, mas sempre amei meu marido e sempre o amarei. Sei o que você pensa também, que ele era ruim para mim, me maltratava, me espancava, me deixava a beira da morte. Não importava. Não doía a alma quando ele gritava comigo, era rude, grosseiro, mal educado, violento, descontrolado. Não me importava de perder dias e noites internada em um hospital, por que quando ele segurava minha mão, acariciava meu rosto, beijava-me os lábios, cheirava-me o pescoço, olhava-me a preparar-lhe o jantar, observava-me a limpar a casa, eu era mais feliz e sentia-me mais amada que qualquer outra mulher do mundo. Meu marido perdia o controle, isso é verdade, quase me matou varias vezes, é lamentável, mas eu era disposta a pagar qualquer que fosse o preço para viver o meu verdadeiro amor.
      Na sala silenciaram-se pra ouvir a resposta, pois da mesma maneira estavam curiosos, mas com a resposta sentiram-se envergonhados de si mesmos. Aquela mulher seria capaz de morrer nas mãos de seu amado se fosse isso que ele quisesse. Todos ali presentes eram mesquinhos, preocupavam-se em serem acordados de madrugada pelos gritos, o que os outros pensariam deles se soubessem que permitiram que uma vizinha morresse nas mãos de um marido violento.
       Desejaram a ela os devidos pêsames, envergonhados de sua incapacidade de amar como aquela mulher e a deixaram chorar por seu luto em paz. Mas aquela mulher nunca mais estaria em paz, por que mesmo que o tempo passasse, e suas feridas sarassem, ela sabia que não havia perdido um agressor físico, ela perdeu aquele que possuía a sua alma.

2 comentários:

  1. ... Gente, como você faz isso? Parece que você escolhe o ponto de vista mais inusitado pra começar a escrever e sai explorando sem vergonha XDDDDDDDDDDDDDD

    Eu... entendo a personagem. Numa situação dessas é tudo que qualquer um pode fazer, entender e aceitar. Realmente não dá pra saber o que as experiências dos outros representam pra eles, cada um habita em uma pele, né (roxa ou não XD).

    Não sei, mas a forma como você escreve me faz pensar um pouco em Clarice Lispector. A mesma naturalidade pra tratar de uma situação tão estranha e, ao mesmo tempo, tão verdadeira. De qualquer forma, é lindo. E perturbador.

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  2. OMG! Sei que o blog é meu mais tive que comentar pelo comentário do Fonftka. OMG!! Acabei de ser comparado a GIGANTESCA Clarice... quem sou eu!? XD Mas valeu pela comparação!

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