quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Uma nova vida - Cap 1 - Fim da Indiferença (Parte 1)

     Me vi fitando os cadarços do menino que se senta à minha frente, desejando amarrá-los, pra que ele caísse ao se levantar, quase voltei a sorrir só de imaginar, mas não teria mais graça, não mais, não sendo apenas uma humana.
- Iris. - Repetiam meu nome, várias e várias vezes, eu sentia que deveria lhe dar atenção, só que não tinha vontade. Infelizmente, nem tudo era somente como eu queria, então procurei por quem me chamava. Era o professor de biologia que já me olhava de cara feia.
- Pois não? - Perguntei sem vontade.
- Responda a pergunta que te fiz. - Falou ele esbravejando.
- Você não perguntou pra mim. Perguntou pra ela. - Movimentei a mão da direção dele até a menina que estava ao meu lado, e o fiz acreditar no que eu havia dito, pelo menos pra "isso" magia ainda me servia de alguma coisa.
- É verdade. - Falou ele por fim, pondo um sorriso no rosto e se voltando a menina a quem o fiz perguntar.
     Os dias têm sido sempre tão iguais. Desde que eu tornei-me humana, mesmo ainda tendo boa parte de meus poderes, não me sento mais feliz, mesmo usando-os. Nem quando acho que estou feliz é a mesma coisa, a vida humana é tão sem graça em comparação a que eu costumava viver. Já faz um mês e alguns dias que estou vivendo assim e até agora não me aconteceu nada, pelo menos nada que me agradasse, esse mundo é muito confuso, todos são sempre obrigados a fazer algo, e a prestar contas de alguma coisa para alguém, estão sempre presos entre as coisas que podem ter e as que querem ter, mesmo que seja algo impossível de ter, no meu caso, eu só queria minha vida de volta.
     Eu, particularmente, não prestava muito atenção nas aulas, nem sabia por que exatamente me forcei a fazer isso, eu poderia simplesmente esperar meu corpo crescer e forjar tudo que fosse necessário pra vida continuar, mas não fazia ideia do que esse "continuar" queria dizer, então como aqui é um local de aprendizado, acho que é isso que eu estou fazendo aqui, tentando achar um novo propósito pra minha existência.
     Todos os dias minha rotina no colégio era quase a mesma: aulas, almoçar sentada junta a única árvore que havia no pátio, obviamente não nas cadeiras e mesas onde todos os outros comiam. Nos primeiros dias as pessoas até tentaram conversar comigo, mas todas as suas conversas giravam em torno de coisas que já fizeram, ou que ainda desejam fazer, eu não podia contar nada do que eu já havia feito em toda a minha vida, e se viesse a contar não sei se achariam tanta graça quanto eu, e sinceramente, não fazia ideia do que eu ainda queria fazer, logo, com o tempo pararam de tentar falar comigo, e eu parei de tentar pensar em algo pra dizer. Pelo menos eu esperava que todos já tivessem desistido.
- Oi. - Falou comigo um menino de cabelo preto e liso com franja que meio que escondia o rosto, nunca o havia visto falar comigo, então não devia ser da minha turma. - Posso me sentar aqui? - Perguntou ele.
- Por que não poderia? - Respondi.
- Ok... - Falou ele devagar e ficou na duvida se sentaria ou não, mas acabou sentando-se ao meu lado. - Então por que você gosta de ficar aqui sozinha?
- As árvores me entendem melhor do que os humanos.
- Sério? E vocês conversam muito? - Pergunto ele de olhos meio arregalados eu não entendi muito o que sua expressão quis dizer.
- Pra falar a verdade não, não tenho muito o que dizer pra elas, eu não contaria coisas ruins pra uma árvore, elas não merecem, não poderiam fugir da conversa caso não as agradece.
- Ah lógico, seria crueldade de mais! - Ele esperou um tempo pra falar de novo. - Você não tem uma boa fama por aqui, não é?
- Não preciso de uma boa fama. - Respondi.
- Mas assim as pessoas não vão querer falar com você, e você vai ficar sozinha aqui com essa árvore pelo resto da vida.
- E quem disse que me importo? Ela é muito melhor companhia do que a maioria das pessoas que estão sentadas ali. - Dessa vez ao responder apontei para que não ficasse dúvidas de que me referia a todos do colégio, que no momento estavam no pátio.
- Isso pode ser verdade, mas talvez uma pessoa ali faça valer a pena se separar dessa árvore e tentar se comportar mais como humana.
- O que você sabe sobre como eu devo me comportar? Afinal por que se importa?
- Por que não me importaria? - Rebateu ele.
- Fale a verdade! - Segurei seu rosto com as duas mão e olhei bem nos olhos dele e ele nos meus e o forcei a fazer o que eu queria. - Só a verdade!
- Eu fiz uma aposta com os meninos da minha turma de que eu teria coragem de vir falar com você, por que todos acham que você é louca. - Apesar de eu já ter certeza de que ouviria alguma coisa do tipo, as palavras machucavam mais do que eu imaginava, na verdade tudo nesse corpo me machucava, até a solidão de quem eu tanto gostava, agora doía mais do que a pior dor que e já havia sentido no meu antigo corpo, havia tantos sentimento pra lidar. Eu o soltei.
- Vá embora. - Foi só o que eu disse!
- O que? Como assim? - Ele estava confuso, não fiz questão de deixar sua ideias muito organizadas, muito pelo contrário queria bagunçar toda a sua cabeça.
- Como que você fez isso? Como você me fez falar essas coisas?
- Só vá embora, antes que eu te faça ficar careca e nascerem espinhas em suas costas. - Falei um pouco mais exaltada, o que fez com que o menino se assustasse e saísse correndo.
     Não me importava com o menino, mesmo assim me machucou, sentia-me estranha por dentro, tipo um feitiço de tortura, havia um nó horrível em minha garganta que não sabia de onde vinha, e de repente algo me distraiu, havia uma umidade anormal em meu rosto, passei a mão e ali estava uma lagrima, o que me fez sorri comigo mesma, nunca havia chorado antes. Fiquei feliz por chorar, era uma experiencia divertida, nova, eu até seria capaz de perdoar aquele menino, só por ele ter me feito chorar.

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